Os discos de vinil hoje representam um encontro de gerações. Muitas delas. Vovôs e vovós que escutavam Roberto Carlos nos Gradientes, papais e mamães que descabelaram ao som da Tropicália, quarentões que sabem as letras do Balão Mágico de cor e não esquecem o impacto do Nevermind, adolescentes que tiveram ou não contato com os LPs na infância e que hoje se ligam no melhor formato seja lá qual for o motivo. Todas as pessoas que compõem esses perfis têm histórias de apreço e ideias diferentes sobre o preço do disco.
É consenso que o valor praticado no mercado de usados subiu vertiginosamente nos últimos anos. Para exemplificar, vamos observar a realidade de alguns discos brasileiros. Os clássicos de Belchior, Jorge Ben e Caetano Veloso que eram encontrados por até R$ 30,00 há alguns anos, hoje beiram a casa dos R$ 150,00. Discos do Tim Maia, Jorge Mautner e Tom Zé, quando aparecem, somem em questão de minutos. Álbuns de altíssima tiragem como Cabeça Dinossauro dos Titãs, Revoluções por Minuto do RPM e Novo Aeon de Raul Seixas começam a ganhar status de raridade. Os LP’s de Cartola, Walter Franco e Racionais MC’s não saem por menos de R$ 200,00. Ufa!
POPULAR OU INACESSÍVEL
Para falar em preço de disco e entender um pouco como chegamos até aqui, vamos voltar no tempo e observar fatores que influenciam a precificação. A grande totalidade dos discos que circulam no mercado de usado hoje foi produzida nas décadas de 70 e 80, época em que o disco de vinil era uma mídia sem concorrentes. Ao analisarmos o preço nesse período a pergunta que queremos responder é: no auge das vendas, o vinil era um produto para as massas? Vale lembrar que, no final dos anos 70 e início dos 80 os vinis eram um puta presente de aniversário. Quem dava um disco de presente ou tinha muita consideração pelo aniversariante ou estava cheio de intenções.
Para ter uma boa ideia de quanto custava um vinil em meados dos anos 70, vamos pegar o anúncio de revista de um disco-fascículo que todo bom colecionador tem ao menos uma edição em casa: a Nova História da Música Popular Brasileira. Por ser um produto vendido em banca de revista, podemos supor que o público-alvo era amplo. A edição número 2 da coleção, dedicada a Dorival Caymmi, era vendida por Cr$ 40,00 em outubro de 1976. Como comparativo vamos usar o preço de capa da mesma revista do anúncio que era vendida por Cr$ 12,00. Hoje uma revista em banca custa em média R$ 20,00, o que nos levar a um valor arredondado de R$ 66,67 para o disco se fosse vendido hoje.
Naturalmente, o poder aquisitivo oscilou ao longo dos anos, mas a conta é coerente para os dias atuais. Se considerarmos que, o salário mínimo em 1976 era de Cr$ 768,00, um assalariado desembolsaria 5,2% do salário para comprar o fascículo do Dorival Caymmi. Hoje, em fevereiro de 2021, esse percentual seria em torno de 6%, considerando o salário mínimo atual de R$ 1.100,00.
ASCENSÃO E QUEDA DO COMPACT DISC
O preço do disco de vinil só veio a despencar mesmo com a chegada do CD no mercado nacional em 1987. Rapidamente o novo formato foi ganhando mercado e em 1997 decretou-se o fim do comércio de LPs no Brasil. Dessa época, temos lembranças memoráveis de colecionadores se desfazendo de coleções inteiras de vinil para comprar um CD player e substituir os discos pela mídia laser. No centro das capitais víamos lotes inteiros de discos amontoados nas esquinas sendo vendidos a preços simbólicos de até R$ 3,00. Já nos anos 90, justamente durante essa transição, muitas obras foram lançadas em ambos os formatos com uma tiragem muito menor para os LPs. Isso justifica os vinis dessa época serem mais raros e, como consequência, mais valorizados.
Sabemos que o CD também teve seus vilões. Primeiro surgiram os aparelhos duplicadores, uma tecnologia impensável, mas muito desejada na era do vinil, quando os discos eram copiados no máximo em fitas cassete (K7). Os CDs podiam agora ser copiados e sem perda de qualidade! Não demorou muito até os computadores virem de fábrica com uma unidade que convertia um CD para arquivos MP3. Estamos falando do início dos anos 2000 quando, inclusive, se popularizaram as locadoras de CD por motivos óbvios. Nessa época, não se falava em disco de vinil. Algumas lojas de discos ainda mantinham algum acervo empoeirado, mas que perderam lugar para paredes forradas de CDs produzidos na Zona Franca de Manaus. Quem ainda curtia vinil ficou na mão porque não era possível achar sequer acessórios para os toca-discos, como cápsulas e agulhas.
O VINIL VIRA O JOGO
Foi quando, em meados de 2008, deu-se início ao hype do vinil desencadeado por jovens que enalteciam artigos vintage, pregavam a volta de tudo que fosse analógico e se entregavam às aventuras do colecionismo. Quem havia estacionado ou desfeito de sua coleção de 12” começou a olhar com desconfiança para aquela moderna coleção de CDs com capas de acrílico faltando a orelhinha. Quem já tinha se rendido ao MP3, por mais organizado que fosse, não achava mais prazer em “fruir” todo aquele acervo interminável de discografias completas baixadas no feriado. A partir daí, o disco de vinil voltou a ser ressignificado e começou então a primeira corrida do ouro. Quem se ligou no movimento e saiu na frente conseguiu recuperar o acervo perdido, encontrou novas pérolas e fez isso por um valor muito acessível.
Com o mercado superaquecido, começaram a aparecer sinais claros da reação do mercado: os discos raros começaram a sumir da praça, os discos bons ficaram caros, os discos comuns ganharam status de colecionáveis, feiras de vinil apareceram no Brasil inteiro e acabaram de vez as bancas de discos de 5 "dinheiros". Lei da oferta e da procura!
NOVOS TEMPOS, NOVAS ESTRATÉGIAS
Paralelamente ao mercado de usados, as fábricas voltaram à ativa. A Polysom, guerreira e pioneira, retomou a produção em 2009 e, ao mesmo tempo que freava o ágil de determinado título, inevitavelmente lançava holofotes sobre os clássicos. Os discos da Polysom hoje variam entre R$ 90,00 e R$ 150,00, mas edições especiais podem chegar nas mãos do consumidor final por até R$ 400,00. Mais adiante, outras fábricas surgiram, como a Vinil Brasil, e outros tantos selos, que prensavam discos até fora do país, ainda conseguiam comercializar seus produtos por um preço acessível.
Nem o lançamento do Deezer em 2013 e do Spotify em 2014 foram um empecilho para a guinada no comércio de discos físicos. Nesse mesmo ano apareceu a modalidade de clube por assinatura onde o assinante recebe mensalmente um disco novinho no conforto do lar. Para efeitos comparativos, o Noize Record Club na modalidade mensal custa R$ 75,00 e dá direito a uma edição caprichada com livreto exclusivo sobre o disco da vez.
A VOLTA DOS QUE NÃO FORAM
Quando a partir de 2010 entendeu-se que o vinil havia efetivamente "voltado", as lojas de discos que sobreviveram ganharam sobrevida, acervos foram desenterrados e novos fenômenos surgiram: colecionadores que sequer tinham toca-discos, vendedores de discos autônomos, discos novamente embrulhados para presente, DJs europeus visitando o Brasil à caça de raridades, herdeiros de acervos imaginando estar em posse de uma fortuna... sem falar nas inúmeras fake news e outras tantas arbitrariedades que invadiram o meio. Todos movimentos legítimos e naturais de um mercado em ascensão, mas que, de uma forma ou de outra, influenciaram no preço dos discos.
Não podemos esquecer ainda que outro ator contribuiu de forma direta para que os preços fugissem ao controle: os vendedores de marketplace, em especial, do Mercado Livre. Essa terra de ninguém virou vitrine para anúncios que beiravam a loucura e, de oferta em oferta, o mercado foi se acostumando e se convencendo de que era lucrativo vender assim, já que, mais cedo ou mais tarde, algum desavisado comprava o disco. Mais adiante a turma de colecionadores foi migrando para as redes sociais e estabelecendo comércio direto e hoje temos um sem número de grupos de classificados de discos muito ativos, onde pode-se encontrar de tudo um pouco.
O QUE PODEMOS ESPERAR PRO FUTURO
Hoje em dia colhe-se, para bem e para mal, os frutos desse efeito cascata. Os discos sempre foram caros, difíceis de adquirir, mas não tanto quanto agora. Felizmente, o mercado de discos usados tem se mostrado dinâmico e se reinventa a cada ano. Outra certeza é que, os discos, por mais raros que sejam, estão sempre trocando de mãos. Nós, entusiastas, torcemos para que a cada dia o formato fique mais popular e mais acessível. Também para discos usados e importados, mas, especialmente, para discos novos e lançamentos fabricados internamente, cujo impostos quase inviabilizam o negócio para fábricas, artistas e compradores.
Se você é colecionador, lojista, comerciante independente, ou profissional do ramo, visite lojas físicas, participe dos grupos na internet e fique ligado no blog Phono Brasil. Jogar-se no garimpo ainda é a forma mais eficiente de encontrar o ouro. Bons negócios!
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