Se estivesse vivo, José Domingos de Morais completaria 80 anos nesse 12 de fevereiro. Nascido em 1942, esse filho de um arrumador de sanfonas, tocava triângulo com seus irmãos nas feiras da região para arrecadar algum trocado com o trio "Os Três Pinguins", grupo que apresentava-se em feiras e portas de hotéis de Garanhuns. Numa dessas exibições (1949), Luiz Gonzaga, hospedado no hotel Tavares Correia (Garanhuns), observou com atenção a demonstração do grupo. José Domingos acabou recebendo uma promessa de receber uma sanfona nova, caso estudasse e fosse pro Rio de Janeiro com o rei do baião.
No ano de 1954, junto com seu Chicão, seu pai, e um dos irmãos e já com o apelido de Neném, migra para o Rio. Depois de 11 dias de pau-de-arara, faz morada no subúrbio de Nilópolis, onde aprende a tocar chorinho nas casas noturnas. Lembrando da promessa antiga, foi atrás de Luiz Gonzaga, que morava no Méier, bairro da zona norte do Rio de Janeiro. Neném ganhou de presente uma sanfona de 80 baixos e a confiança do rei, quando passou a frequentar a casa, os shows, os ensaios e as gravações de Gonzaga. Nessa levada, além registrar sua primeira música num disco, tocando "Moça de feira", em álbum de Luiz Gonzaga, de quebra, ganhou a mudança do apelido "Neném" para Dominguinhos, nome que o tornaria conhecido no Brasil e no mundo.
Sem demoras, Dominguinhos casou aos 17 anos com Janete. Da primeira esposa, nascem Madeleine e Mauro. Pouco tempo depois, forma o primeiro Trio Nordestino com Zito Borborema e Miudinho, onde ficou entre 1957 a 1958. Com as noites, contatos e estudos, ele busca inspiração para a sua arte nas gafieiras, sambas, cumbias e boleros. Um grande artista de temática nordestina da época, Pedro Sertanejo, vendo o diferencial do sanfoneiro, chama Domingos para tocar na Gravadora Cantagalo, buscando gravar algo diferente. Em 1964, lança seu primeiro disco: ''Fim de Festa''.
Quando deixou os boleros sanfonados, Luiz Gonzaga recruta Dominguinhos para acompanhá-lo nos shows. Não só como músico, Motorista reserva também. E, graças a essas excursões, entra em contato com a cantora Anastácia, que viria a ser esposa e importante parceria. No ano de 1973, Gilberto Gil faz sucesso com "Eu só quero um xodó". A música escrita por Dominguinhos se torna um marco e tornou-se uma das mais regravadas da MPB. No consagrado Festival da TV Tupi de 1979, Dominguinhos conquista o troféu com a música ''Quem me levará sou eu'', também de sua autoria. Era o início de uma década bastante especial em sua carreira.
Escute Gil cantando: https://www.youtube.com/watch?v=AzCgA-a3sUo.
A ressurreição oitentista do rei do Baião, que tivera seus anos 70 embebidos no esquecimento por parte da imprensa sulista, agora usufruía de um respeito crescente em todo o país. O crescer da música e artistas de cunho regional, somado com discos importantes para a MPB, ajudou Gonzagão no seu resgate. Dominguinhos, com ajuda nos arranjos e sempre presente naquela Scandalli preta, teve a mão naquele novo vento, que seria o sopro na última década de vida do rei. As gravações e parcerias com artistas de ponta, renome e prestígio, fizeram a música regional novamente sair do marasmo, ocasionado pela explosão 'dance music'. O Nordeste novamente reerguia seus gigantes.
"Olha que isso aqui ta bom demais" (1985) e "Gostoso demais" (1986) são os maiores exemplos da urbanização do Forró (no seu bom sentido). Dominguinhos fazia como ninguém a mescla de guitarras, saxofones e baterias com zabumbas e triângulos, cantados por vozes como Chico Buarque.
Após a morte de Luiz Gonzaga (1989), o cetro do baião passa para a mão de pupilo. Um novo forró por ele difundido vira febre (forró inteligente e moderno, bem diferente dos caça-níqueis atuais). Em 1999, nas homenagens aos dez anos da morte de Gonzaga, gravou um disco "Você vai ver o que é bom". Nesse trabalho, uma música inédita de Zé Dantas (parceiro de Gonzaga nos anos 50 e 60) e brilhantemente interpretada, é mais uma maravilhosa surpresa. O trabalho foi indicado ao Grammy.
Nos anos 2000, o menino de Garanhuns vive um tempo de louvação, premiações e homenagens das novas gerações. Mais ativo do que nunca, grava inúmeros discos, participações e shows. Ganha um Grammy em 2002 pelo disco "Chegando de mansinho", e outro em 2010, por ''Iluminado''. No centenário de Luiz, teve ainda forças para participar dos festejos, embora fragilizado pelo câncer no pulmão. Isso não lhe impediu de saudar – heroicamente – aquele que fora seu mestre. No final do 2012, em Recife, foi internado em estado gravíssimo. Em janeiro de 2013, foi levado para São Paulo, a pedido de familiares. Infelizmente, ele se foi às 18hs de uma terça-feira, 23 de julho de 2013, no Hospital Sírio-Libanês.
Com o sanfoneiro do Rio da Brígida, aquele menino aprendeu a lapidar o que a natureza nordestina tinha de melhor. Aquele jovem de sorriso fácil estudou seu piano de joelho, aprendeu a sanfonar um jazz, aquele choro ou uma emergente bossa nova. O que lhe caía nas mãos e na mente, ele mandava ver. Fora dele, aquele diferencial: Um dos poucos sanfoneiros que fazia Gonzaga suar, naqueles antológicos duelos de sanfona pelos palcos da vida. Simples e humilde, o sanfoneiro tocou com os maiores nomes da música brasileira. Consagrado em todo o mundo, nunca deixou de fazer shows em lugares populares ou pequenas casas de reboco. Afinal, como sempre dizia: Gostoso era estar com os amigos e ver o povo dançar.
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