Sem desmerecer os grandes cantores de sucesso
que não foram citados aqui, além de excelentes músicas
que consideramos como "hinos" da Soul Music.
Vamos conhecer um pouco
desse movimento na sua origem?
Uma das mais populares dessas manifestações era o canto religioso negro. Chamado de Spiritual (hoje Gospel), ele se desenvolveu no século 18 com a adoção do cristianismo pela população negra como uma forma de “libertação”, as igrejas americanas foram os verdadeiros conservatórios musicais para a comunidade negra. Resultado da tradição religiosa afro-americana que se formou, o Spiritual foi uma evolução das músicas de trabalho e de protesto cantadas pelos escravos no campo desde o século 17. Fora das tradições religiosas, as canções dos escravos evoluíram para na virada do século 19 para o 20 desembocar em dois novos gêneros: o blues e o jazz.
Nascido no sul dos Estados Unidos, o blues surgiu como um gênero rural com sonoridade e letras melancólicas, cheias de angústia e que retrataram a dura realidade social dos negros. Décadas após a abolição da escravidão, a rotina da população negra norte-americana ainda era de sofrimento e privações. As oportunidades de diversão estavam nos encontros dominicais nas missas nas Igrejas e nos bailes nas noites dos sábados, regados a uísque. Assim, formou-se uma tradição em que os domingos pertenciam ao Senhor, enquanto as noites de sábados ficavam a cargo do Diabo.
Nessas noites de diversão e prazer, além de uísque e blues, havia também o ragtime, um ritmo que misturava as tradições orais com as influências europeias e resultava num estilo único e animado de tocar piano. Em pouco tempo, a junção do blues e do ragtime daria origem a um novo gênero, o jazz. Pequenas bandas de músicos negros faziam improvisações em cima de marchas com bases melódicas simples. O jazz evoluiu rapidamente para uma dança de salão das mais populares entre negros e brancos, e criou uma série de variações, como o swing e o bebop.
Ao longo da primeira metade do século 20, as músicas afro-americanas, sejam as religiosas, como o gospel (evolução do spiritual com canções que destacam vocais e coros e que expressam uma intensidade espiritual de forma dramática e emotiva), sejam as seculares, como o blues e o jazz, se popularizaram cada vez mais. Entre as décadas de 40 e 50, suas vertentes já totalmente urbanizadas dariam origem ao rhythm’n’blues ou R&B (diferente do R&B atual, era uma mistura de jazz e blues, com ênfase nos vocais, feita para dançar) e ao rock’n’roll, dois novos gêneros que dominariam a canção popular ao redor do planeta a partir de então.
O sucesso do rock na década de 50, apesar de um gênero forjado na fusão dos ritmos afro-americanos com a country music, não deu todo o destaque que os artistas negros mereciam. O reconhecimento e a conquista das paradas de sucesso para os afro-americanos só viriam na década seguinte com a soul music, ou a “música de Negro”.
A soul music era uma mistura de gospel e rhythm’n’blues. O gênero começou a ganhar feições com as canções de Ray Charles e Sam Cooke ainda nos anos 50. Mas foi com o surgimento da gravadora independente Motown no começo dos anos 60 que a soul music ganhou o mundo. Além da Motown, de Detroit, as também independentes Atlantic, da Filadélfia, e Stax, de Memphis, se destacaram ao lançarem os principais nomes do gênero nos anos 60 e 70.
A gravadora Stax de Memphis,
se destacou por ser uma das poucas
que mantinham um stafe de profissionais negros no se plantel de diretores.
Sam Cooke nascido em 22 de janeiro de 1931 e assassinado em 11 de dezembro de 1964, foi um artista, cantor e empresário estado-unidense muito reconhecido e estimado. Hoje em dia, muitos o consideram o fundador da soul music. É considerado pela revista Rolling Stone como o 4º maior cantor de todos os tempos, e pela mesma revista, o 16º maior artista de todos os tempos. Chamado de "The king of soul", o legado de Sam Cooke é vasto. Ele ganhou 29 dos 40 mais mais nos Estados Unidos entre 1957 e 1965.
Mas tinha mais. Antes mesmo de Aretha Franklin ser coroada a “Rainha do Soul”, o título de padrinho do gênero ficou com James Brown. Desde meados dos anos 50, ele de um lado e Sam Cooke de outro começaram a inventar a soul music. Brown fez com suas misturas de gospel e rhythm’n’blues e sob influência dos rocks de Little Richards um caldeirão de ritmos alucinadamente dançantes e com letras bombásticas, como nos sucessos “I Got You (I Feel Good)” ou “Get Up (I Feel Like Being A) Sex Machine”.
O documentário "Standing in the Shadows of Motown" retrata
a trajetória dos Funk Brothers, banda que tocou os principais
sucessos junto com os astros da soul music nos anos 60 e 70
Com sua impressionante voz, reconhecida como
uma das melhores da história da música popular,
Aretha Franklin é considerada a "Rainha do Soul"
Marvin Gaye foi um dos ícones e um dos
mais populares artistas da "soul music"
com suas baladas românticas e sensuais
O surgimento e o sucesso da soul music foram simultâneos ao desenvolvimento do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. A luta contra a segregação racial resultou em mudanças nas legislações racistas no país e no fortalecimento do movimento pela valorização da cultura negra. Além disso, as ações políticas dos negros ganharam peso com as atuações pacifistas do reverendo Martin Luther King Jr e a movimentação nem um pouco pacifista da organização política Panteras Negras, adepta do lema “black power”.
Produto direto desses momentos efervescentes e dessa busca pelas conquistas sociais, econômicas e políticas nos anos 60 e 70, a soul music oferecia um repertório composto em sua maior parte por baladas que têm o amor como tema central. Mas havia também canções “engajadas” que enfatizavam o orgulho da herança africana e as precárias condições de vida enfrentadas pela grande maioria dos negros americanos.
O sucesso que a soul music fez a partir dos anos 60 acompanhou as conquistas dos negros na sociedade americana. Ao mesmo tempo em que as canções do gênero ocupavam os primeiros lugares das paradas de sucesso nos Estados Unidos, e também no Reino Unido, surgiram novas oportunidades econômicas e de participação política, mudanças culturais e ações concretas que eliminaram as legislações segregacionistas.
Nessa era de ouro da soul music, algumas músicas e artistas viraram fenômenos. Um deles foi Marvin Gaye, com suas canções com forte conotação sexual, como “Let’s Get It On” e “Sexual Healing” (já no início dos anos 80). Aretha Franklin com sua notável voz oriunda da canção gospel tornou-se a “Rainha do Soul”, a partir de sucessos como “Respect” e “I Say a Little Prayer”. Outra migração bem-sucedida do gospel para o pop da soul music foi a do dueto Sam & Dave. Os cantores Sam Moore e Dave Prater chegaram ao número um das paradas de rhythm’n’blues com as canções “Hold On, I’m A-Comin” e “Soul Man”. Liderado por Diana Ross, o grupo vocal feminino Supremes emplacou sucesso atrás de sucesso nos anos 60, como “Baby Love” e “Stop! In the Name of Love”. Ainda na linha de baladas românticas, que reuniam melodias perfeitas e a beleza lírica das letras, destacaram-se nessa época Ray Charles, Sam Cooke, Dionne Warwick, Temptations e Otis Redding. A soul music reuniu uma geração de incomparáveis compositores, intérpretes e músicos. Um marco não só na história da música negra como de toda a cultura pop.
No meio do sucesso da soul music que ele fez nascer, Brown começou a inventar um novo ritmo, o funk, e com ele uma nova forma de dançar. Uma versão anárquica do soul com ênfase na sonoridade do baixo e da percussão, o funk iniciou um novo ciclo de influências da black music que desaguaria na disco music e no hip hop nos anos 70.
O funk inventado por James Brown, a versão mais energética, dançante e expansiva da soul music, misturou-se à onda psicodélica do final dos anos 60 e ingressou na década de 70 como um dos gênero mais populares. O sucesso de artistas e grupos como George Clinton e Funkadelic, Earth, Wind & Fire, Kool & The Gang, Commodores , Jackson 5, entre outros ditou uma nova moda com suas roupas coloridas, cabelos black power e danças coreografadas. Isso, no entanto, não ofuscou a soul music composta por baladas românticas que continuava a produzir hits através de Marvin Gaye, Roberta Flack, Diana Ross, Al Green, Stevie Wonder e Barry White.
Nessa trajetória, a música negra não deixou para trás seu engajamento. Um dos pontos altos desse compromisso foi o Wattstax, um megaconcerto, uma espécie de versão da música negra para Woodstock. Realizado no Memorial Coliseum, de Los Angeles, em 1972, o show relembrou os conflitos raciais que tomaram conta do bairro de população majoritariamente negra de Watts, na região sul de Los Angeles, e que resultaram na morte de 34 pessoas. Promovido pela gravadora Stax, de Memphis, o concerto reuniu alguns dos principais nomes da música negra do gospel ao blues, do soul ao funk, com destaque para a participação de Isaac Hayes.
Além de manter seu engajamento, a música negra norte-americana conseguiu também nos anos 70 expandir suas influências em outras culturas. Durante aquela década, ela passou a ser tão influente como os outros gêneros que dominavam o mercado da música popular jovem. No começo da década de 70, os britânicos desenvolveram a sua própria versão da soul music, o northern soul (é bom lembrar que nos anos 60, os ingleses já haviam recuperado o blues norte-americano ao incorporá-lo ostensivamente aos rocks de Rolling Stones, Eric Clapton, The Who e Led Zeppelin, por exemplo). As influências dos sucessos da Motown e o desenvolvimento de uma cultura de bailes principalmente na região central do Reino Unido provocaram o surgimento dessa versão britânica para o soul norte-americano.
Um exemplo do fenômeno northen soul
está retratado no filme “The Commitments”
(1991, direção de Alan Parker).
Em meados dos anos 70, com o crescimento da cena dos bailes nas periferias do Rio de Janeiro, o movimento Black Rio ganhou notoriedade nacional e, com o interesse das gravadoras no novo som, surge a figura de Gerson King Combo. Gérson consegue gravar seus dois discos de maior sucesso - Gerson King Combo, de 1977, e Gerson King Combo - Volume II, de 1978 - conseguindo sucesso radiofônico e nos bailes, com "Mandamentos Black", "God Save the King", "Funk Brother Soul" e "Good Bye". Com o esmorecimento do movimento, Gérson abandona a carreira artística e passa a trabalhar como produtor de eventos. É redescoberto no final da década de 1990 e passa a fazer shows e gravar novamente, lançando mais dois álbuns. É considerado um dos principais nomes da música negra brasileira, juntamente com Tim Maia, Hyldon e Cassiano.
A trajetória da soul music influenciou na segunda metade da década de 70 o surgimento da disco music, ou música de discoteca, e principalmente do rap e da cultura hip hop. A música de discoteca surge como uma versão mais branda do funk e menos engajada do que o soul dos anos 60. Feita para divertir e dançar, ela traz o suingue típico da black music e é propositadamente superficial e sensual.
A partir dos anos 80, as características dançantes e a sonoridade da soul music continuaram a influenciar os trabalhos de artistas como Prince e Lenny Kravitz.
Outro artista com grande influencia da soul music foi Michael Jackson que teve como sua principal fonte de inspiração James Brown, indo do soul e funk dos Jackson 5 a "Rei do Pop", sem abandonar o swing da black music.
A black music, do spiritual ao rap, tem demonstrado a vitalidade e a inventividade da cultura negra nos Estados Unidos, a partir do contínuo processo de transformação e atualização dela com elementos de outras culturas. Um processo que se iniciou com o sincretismo das tradições africanas levadas pelos escravos com a cultura européia e cristã. Sua força é tal que ela tem sido a base dos principais gêneros da música popular, culminando na House Music, que têm dominado o mercado mundial.
Independente de gostos e estilos, a verdade é que assim como no Brasil e no resto do mundo toda a música considerada como popular (Samba, Funk, Miami, Freestyle, Hip Hop, Disco, House, etc) de certa forma teve influência na black music, várias figuras da black music não foram citadas nesse texto, até porque para falar de todos esse espaço é insuficiente.